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quinta-feira, 6 de março de 2014

O que aprendi com Persona 4


Existem jogos que você simplesmente demora para descobrir. Hoje, com tantos lançamentos por semana e centenas de jogos a disposição, não é difícil ignorar algumas pérolas de gerações anteriores. E esse foi o meu caso com a série Persona, que simplesmente ignorei durante muito tempo, até ter a oportunidade de mergulhar no passado e resgatar esse belo tesouro, lançado em 2008, para um Playstation 2 já moribundo e com a nova geração já a pleno vapor. Mas quando finalmente consegui colocar minhas mãos nesse jogo, foi difícil de soltar.
Antes, irei explicar brevemente do que se trata o jogo.
Persona 4 é um RPG que se mistura com jogos de interação social. O que aparentemente parece não possuir relação alguma, se mostra uma mistura sensacional, pois ele exige que o jogador equilibre duas vidas: Uma dentro de dungeons, explorando, ganhando leveis e progredindo, e outra, controlando as interações sociais de um adolescente durante praticamente um ano de sua vida. Fazendo amigos, conquistando garotas, resolvendo problemas familiares e até mesmo trabalhando. Tudo isso enquanto um assassino serial está à solta na cidade, um caso que(surpresa) cai no seu colo, esperando uma solução.
Dito isto, falarei da minha experiência, do que me tocou e me fez amar esse game. Não existe compromisso aqui de avaliar qualquer aspecto técnico do jogo, é apenas a minha experiência e o que irei levar para sempre comigo. Não irei dar spoilers, recomendo a todos que experimentem o jogo e a sua história por si mesmos, garanto que não haverá arrependimentos.

Bem vindo a Inaba
Assim que o jogo começa, ele não te dá muitas escolhas, o que me fez questionar se o jogo não era extremamente linear. Ele te bombardeia com história e eventos roteirizados, que te dão uma base do que está acontecendo e apresenta as principais mecânicas do jogo, ou seja, as batalhas e as interações sociais.
No início eu era um aluno novo, vindo da cidade grande, que iria passar um ano todo na pequena cidade rural de Inaba. De inicio, conheci alguns dos personagens que iriam participar de minhas aventuras e de minha vida durante o tempo em que ali ficaria, como o atrapalhado Yosuke, a hiperativa Chie e a introvertida Yukiko. Além deles, também conheci minha família, que me daria abrigo durante todo aquele tempo, o detetive Dojima, meu tio e a pequena Nanako, sua filha.
Segue-se um bom tempo de rotina, coisas comuns, como decidir se assisto TV com minha priminha, ou se vou direto para a cama, se posso ser amigável com ela, ou distante. E foi ali que o jogo já me intrigou.
O personagem principal é um protagonista mudo, você como jogador deve dar vida a ele, escolhendo suas respostas e a maneira que ele irá interagir com aquele universo. E a pergunta que me fiz é: Eu estava interagindo exatamente da maneira que eu interagiria na minha vida, ou estaria criando uma face que eu gostaria de ter? Simpático, prestativo, amoroso, ou seja, tudo que a maioria das pessoas almeja ser. Desde esse inicio simples o jogo te confronta com o seu tema principal, as Personas. Máscaras que você usa durante o dia a dia para encarar todas as suas dificuldades e temores. Elas conseguem te dar força, claro, mas te alienam, te afastam do autoconhecimento e da necessidade de encararmos nossos erros e fraquezas. É muito mais fácil fingir ser o que não é e enterrar todo o resto, não é?
Um pouco mais tarde, ajudo um amigo a encarar sua verdadeira face. Yosuke, que sempre agiu com absoluta confiança e parecia gostar de todos, no fundo era egoísta (e não somos todos?), odiava sua vida, sua cidade e tudo aquilo que o rodeava, que para ele era simplesmente chato. E é nesse momento, em que ele enfrenta o seu lado sombrio, representado no jogo como um inimigo em uma batalha, uma sombra. Apenas ao aceitar a sua verdadeira natureza que ele consegue vencer esse monstro, e ao invés de derrotá-lo, o torna seu aliado. Esses medos, fraquezas e outros sentimentos que guardamos dentro de nós e tratamos como defeitos, quando encarados podem se tornar a nossa força,  para mim, essa é a maior lição que esse jogo traz.
Persona não é sobre uma série de assassinatos para se resolver ou sobre encarar monstros dentro de uma televisão. É sobre nós, seres humanos, falhos, sempre criando escudos para nos proteger da agruras da vida. Seja se tornando um rebelde, uma pessoa autoritária ou até mesmo uma pessoa gentil e submissa, com medo da reprovação dos outros. Tudo isso, que aparentemente nos dá força, é simplesmente um empecilho para nossa própria evolução.
Todos os personagens eventualmente encaram seus lados escuros e aceitam seus defeitos, e quando isso acontece, eles mudam suas vidas. Se aceitar é o primeiro passo para a mudança, isso é Persona.

Social Links
Outra mecânica do jogo são os Social Links. Durante a maioria dos dias você tem a opção de gasta-los como bem entender, e com o passar o tempo, é possível desenvolver relações com os NPCs, conhecendo suas histórias e ajudando-os em momentos difíceis. Quanto mais tempo você passa com eles, maiores são os seus laços. Mas, se você negligencia-los, pode passar todo o jogo sem sair da superfície, sem amizades verdadeiras, inquebráveis pelo tempo e pelas adversidades que virão.
Nessa era de informação, em que é muito mais fácil se comunicar com as pessoas superficialmente, através de computadores ou celulares, quantos laços verdadeiros deixamos de formar? Quantas pessoas você negligencia por dia para cuidar de seus próprios interesses? Várias. É impossível agradas a todos, e, no jogo, a não ser que você possua busque algum guia na internet que te levará a perfeição nos relacionamentos, seu personagem eventualmente deixará alguns amigos para trás, e se arrependerá (e como) de não ter dado mais atenção para quem merecia.

Simbolismo
As Personas, uma espécie de “monstro” que te ajuda durante as batalhas, são seres mitológicos de várias culturas, passando pela japonesa, nórdica, cristã, entre outras. São símbolos poderosos, máscaras já prontas que muitas vezes assumimos para nós mesmos sem saber.


Por fim, a série Persona, que apenas joguei os dois últimos jogos, traz uma experiência memorável para quem conseguir se envolver, são mais de 80 horas de jogo que te deixarão imerso em suas histórias, que é muitas vezes deliciosamente maluca e engraçada. E em seus personagens notavelmente humanos. Não existe hipocrisia, todos possuem defeitos inerentes a qualquer pessoa, a diferença é que possuem a coragem para encara-los. É um “must-play” da geração 128 bits, um jogo que pode não apenas ser uma boa experiência para um jogador, mas uma grande experiência de vida.